A Civilização Ocidental

Com esse termo denominamos uma linha cultural que costumamos dizer que se originou entre os gregos antigos, mas que provavelmente tem raízes muito mais remotas. Essa linha é, na verdade, greco-romana-cristã-europeia-branca, mas incorpora muito da tradição judaica e de alguma influência oriental, atribuída geralmente ao helenismo. Assim, esse conceito somente alcança algo das civilizações africanas, asiáticas e americanas por meio de suas contribuições (talvez o termo adequado fosse apropriação). De fato, a divisão oriente x ocidente, quando o foco é na cultura, não pode ser vista geograficamente. Chamamos o Marrocos de Oriente Médio mesmo que ele esteja situado entre os mesmos meridianos que Inglaterra, Portugal e Espanha (países que não hesitaríamos em classificar como ocidentais).

O estudo de Filosofia também padece dessa perspectiva etnocêntrica, e por isso apresenta-se realmente complicado o estudo do pensamento filosófico, chinês, árabe ou africano, não apenas pela dificuldade de fontes, mas principalmente pela aplicação de categorias de análise do pensamento ocidental sobre a produção filosófica de pensadores orientais. É por isso que em alguns livros mais antigos encontramos a afirmação de que o pensamento oriental não é “propriamente” filosofia, porquanto seria um pensamento um tanto místico e obscuro. Evidentemente, esse tipo de afirmação encerra uma tremenda contradição com o conceito de Filosofia, inclusive com a filosofia ocidental em suas raízes gregas, onde o amor à sabedoria inclui o não classificar o que não se conhece plenamente. Enfim, uma atitude que não é propriamente filosófica.

A atitude propriamente filosófica seria tentar compreender o pensamento oriental sem a aplicação de nossas categorias de pensamento, principalmente aquelas cartesianas, que separam o ser em mente e corpo (alma x espírito, no cristianismo). A partir dessa compreensão, poderíamos analisar o pensamento oriental por outras lógicas, que não a aristotélico-tomista, e entender melhor o pensamento distinto da fórmula de Parmênides, “o ser é, não-ser não é”, e começar a compreender melhor o “sendo”. 

Já se convencionou dividir a História da Filosofia Ocidental pelos mesmos balizadores da História Geral. Em parte pela comodidade, mas principalmente pelas grandes modificações que ocorreram no pensamento filosófico ao longo da História, com importantes mudanças no foco das questões filosóficas que, em dados momentos é essencialmente metafísica, em outros gnosiológica, e em outros, principalmente ética.

Entretanto, em todos os momentos vemos presente uma questão crucial, que é a questão da verdade. Talvez essa seja o escopo de toda a faina da filosofia, saber o que é a verdade. Ora é a verdade como essência da realidade vivida, ora é a verdade como o próprio criador de tudo, ora é a verdade que se revela nas leis da natureza, ora é a verdade como a decepção com o gênero humano.

Se, para os gregos antigos, de uma forma geral, a Filosofia é a verdade que se busca, no pensamento medieval, dominado pela Filosofia Cristã, essa verdade tem que ser buscada sob o lume do cristianismo. O pensamento moderno é assim chamado por romper não só com os grilhões da religião que sufocavam o pensamento científico, mas também por uma fé absurda na razão, como o único meio de compreensão da realidade, não só física com social. Já o pensamento contemporâneo é marcado por uma profunda decepção com essa razão instrumental, com essa lógica cartesiana, ao mesmo tempo que busca novas alternativas, novas lógicas e novos horizontes para o pensar.

Mas, como começa a Filosofia? 

É interessante a relação da Filosofia com o Mito, ao mesmo tempo um confronto e uma evolução. O fato é que o Mito é a primeira forma de explicar o mundo e aplacar a mesma angústia do homem que está no mundo e não sabe por quê e nem para quê. Mas o mito é uma forma narrativa, não apresenta a consistência e nem a coerência interna necessária para sua ampliação. À medida que o homem vai superando as explicações míticas por meio de explicações lógicas e causais, vai surgindo o conhecimento epistêmico (Filosofia e as ciências).

A natureza das explicações míticas: quando definimos conhecer como a elaboração de um modelo explicativo da realidade, passamos a admitir o mito como uma forma de conhecimento. Conhecer seria projetar uma organização e integrar o desconhecido ao que já se sabe. O homem, diferentemente dos animais que se limitam às respostas automáticas instintivas, caracteriza-se pela necessidade de explicar e resolver os problemas com os quais se depara na sua relação com o mundo.  

A primeira e fundamental forma de modelo explicativo da realidade é o mito. É um modelo originário de organização dos fatos e do universo em geral, expresso em linguagem simbólica e imaginativa. O mito é mágico (não é lógico-conceitual), sua for-ma é narrativa, seu conteúdo é simbólico concreto (não é concei-tual-abstrato), e seu significado é inconsciente.

O mito é assim, entretanto, não por uma incapacidade das mentalidades “primitivas”, já que se assim fosse, as sociedades ditas “civilizadas”, científicas e tecnológicas, não produziriam mitos. 

Embora não reflexivo, o mito é uma expressão do desejo do homem de compreensão do mundo, relacionada a uma vontade de transformação da realidade, expresso em uma mentalidade mágica. É distinto da religião porque nesta encontramos uma explicação da realidade adquirido de forma empática, geralmente sintetizada em algo sagrado, que se aceita pela fé.

A Filosofia e as ciências (conhecimentos epistêmicos) se distinguem de ambos pelo discurso argumentativo e pela atitude crítica e pela aversão aos dogmas.

Como surge a Filosofia entre os primeiros pensadores gregos?

Para alguns a Filosofia surgiu entre os gregos antigos como uma espécie de milagre, eles seriam o povo eleito da razão assim como os judeus seriam o da Revelação. Entretanto, é mais coerente acreditar que esse surto de pensamento lógico apareceu nas colônias gregas da Ásia Menor (hoje a Anatólia, Turquia) e se espalhou por toda a Grécia Antiga seja fruto de condições próprias da geografia e do sistema político e econômico da Grécia (litoral recortado, interior montanhoso, a relação com o mar e com a navegação, as cidades gregas…).

Em toda essa produção filosófica e científica (conhecimento epistêmico) se destaca o grande Sócrates pela fertilidade de seu pensamento. Seu principal mérito é focar a reflexão sistemática sobre o problema do homem, e por isso os pensadores anteriores a ele são chamados pré-socráticos ou físicos (focavam a reflexão na busca de um elemento fundamental em todas as coisas), enquanto que o período que começa com Sócrates é chamado de antropológico ou sistemático, porque nele os pensadores começam a elaborar os grandes sistemas filosóficos (Sócrates, os sofistas, Platão, Aristóteles). O último período da filosofia grega antiga é chamado de Ético, ou das escolas menores (Epicurismo, Estoicismo, Ecletismo, neoplatonismo…) porque já não surgem pensadores do porte dos sistemáticos, e porque a principal questão é a da conduta humana. Esse período é marcado pelas conquistas de Alexandre da Macedônia, pelo helenismo decorrente dessa expansão, pelo Império Romano e pelos primeiros pensadores cristãos.

A Filosofia Medieval tem uma relação histórica com o Império Romano, não apenas porque com a queda do Império Romano do Ocidente ocorre uma intensa transformação político-econômica no mundo antigo, ou porque a queda do Império Romano do Oriente fez com os sábios bizantinos emigrassem para a Europa trazendo os escritos de Aristóteles e Platão no original, aumentando a compreensão natural do mundo que ajudou a colocar em xeque a Filosofia Cristã Medieval, mas principalmente é no bojo do confronto que se forja o pensamento medieval.

Os primeiros pensadores da Filosofia Cristã que domina a Europa Medieval feudal são os apóstolos e seus seguidores, que estudam e acumulam conhecimento para poder defender a sua doutrina ante os últimos sábios da cultura greco-romana. O fato é que a Igreja Cristã vai se constituindo lentamente e precisa também preparar seus sacerdotes e os encarregados de manutenção da estrutura e da hierarquia da Igreja.  

No período seguinte, chamado de Filosofia Patrística porque nela os padres da Igreja Cristã começam a elaborar suas grandes teses para abordar os principais problemas filosóficos da teologia cristã. O maior pensador desse período é Sto Agostinho de Hípona, que ataca um dos principais problemas filosóficos do cristianismo, que é a existência do mal em um mundo criado por aquele que representa o sumo bem. Para Agostinho o mal pode ser explicado como a privação do bem, dado a Influência do platonismo (Sto. Agostinho substitui a essência platônica pela ideia de Deus, como a perfeição absoluta).

A Patrística é superada pela Filosofia Escolástica, onde a filosofia medra nas escolas cristãs, visando a sistematização racional e lógica do cristianismo.  Sto. Tomás de Aquino é o maior pensador desse período, que se caracteriza pela discussão dos problemas filosóficos colocados pela relação com a teologia cristã: a Criação, os Universais, a Razão (participação na divindade?). O pensamento de Sto. Tomás de Aquino (tomismo) ataca os problemas filosóficos do cristianismo a partir da integração da teologia cristã com o aristotelismo. Pensador dedicado e minuncioso, realizou uma análise da filosofia árabe e judia, e o aperfeiçoamento da Lógica Formal deixada por Aristóteles, e por isso esse pensamento é conhecido como Aristotélico-tomista.

O ápice da Filosofia Escolástica, mas também o seu declínio, se por força da criação das universidades europeias. É nesses grandes centros de saber que começa a durgir o pensamento divergente, como, por exemplo, o questionamento do problema da ciência experimental, em conflito com a teologia cristã, e daí crise do conhecimento medieval. 

O pensamento: de Sto. Agostinho pode ser sintetizado no trecho: “A certeza da razão por meio da fé. Compreender para crer, crer para compreender”. Para ele o homem é um ser composto de alma e corpo (bem e mal), que tem inclinação natural para o mal (pecado original), que é superada pelo esforço consciente do homem que quer vencer suas deficiências (humanas). Em sua Ética explica o mal como afastamento de Deus, daí a necessidade de intensa educação religiosa para a aproximação com Deus, o sumo bem. A Alma foi criada por Deus para dirigir o corpo, e o livre-arbítrio do homem pode levá-lo a inverter essa relação, ocorrendo a submissão do eterno ao transitório. A liberdade consistiria na harmonia das ações humanas com a vontade divina.Na Teoria do Conhecimento afirma a fragilidade do conhecimento sensível e a verdade no conhecimento eterno, o conhecimento intelectual, os puros conceitos, existentes no “mundo das idéias”, como em Platão. Na metodologia defende que a via é o autoconhecimento, a via da interioridade, do íntimo da alma humana, iluminado por Deus (graça divina), para alcançar a verdade. Combinação de esforço e graça.

A Filosofia Escolástica é, de certa forma, fruto do do renascimento carolíngio que adota a educação no modelo romano, com ensino do trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música), submetida a teologia e apoia o desenvolvimento da produção filosófico-teológica que é elaborada a partir da fundação das escolas cristãs e das primeiras universidades (sec. XI). 

O principal problema filosófico atacado pela Escolástica é da harmonia entre a Fé a  Razão. A metodologia envolve começar pelo estudo da linguagem para alcançar o estudo das coisas. A disputa lógica é método (a lógica aristotélica aplicada de forma exaustiva e minuciosa, com o confronto entre duas posições opostas) 

Alguns problemas, como o Problema dos Universais (as ideias gerais – conceitos – têm existência real?), que ocuparam a mente dos escolásticos por tempo demais, lhes rendeu a fama de estudiosos de questões sem sentido, e para a Metafísica a fama de estudo inútil. 

O maior pensador desse período é Sto Tomás de Aquino (1226-1274), chamado de aristotélico-tomista, por conta de sua base no pensamento de Aristóteles. O objetivo dele era organizar racionalmente um conjunto de argumentos para a defesa da Revelação Cristã, e com isso realizou uma original síntese do pensamento aristotélico sobre o Ser e o Conhecimento, enfatizando a importância da realidade sensorial e de princípios lógicos na aplicação de uma metodologia. Para ele a realidade é explicada a partir dos seguintes princípios:

Princípio da Substância: em todos os seres podemos distinguir a substância (a essência) e o acidente (o que não é essencial para que a coisa seja).

Princípio da Causa Eficiente: todos os seres que captamos pelos sentidos são seres contingentes. Existe apenas um ser que é ser necessário, a causa eficiente de tudo o que existe.

Princípio da Finalidade: todo ser contingente existe em função de uma finalidade, enfim, possui uma causa final.

Princípio o ato e da potência: todo ser contingente possui duas dimensões: ato é a existência atual do ser, realizada. Potência é a capacidade de realizar-se. As transformações das coisas são a passagem de potência a ato.

Livro principal: Summa Teológica, propõe a existência de Deus em cinco provas: o primeiro motor; a causa eficiente; o ser necessário; os graus de perfeição; a finalidade do ser.

Outros escolásticos: São Boaventura, franciscano; Alberto Magno, dominicano; Duns Scotto, franciscano.

As principais dissidências da Filosofia Escolástica, o Averoismo, Nicolau de Cusa e os  Humanistas, Helenizantes, e Naturalistas; os Juristas da Filosofia Social (Maquiavel, Hugo Grócio e Tomás Morus – a lei natural), estão na base do surgimento da Filosofia Moderna que se caracteriza por centralizar no problema do conhecimento e do método, em contraposição ao pensamento dogmático medieval. 

É o Iluminismo, Ilustração ou Filosofia das Luzes (movimento cultural, mais que filosófico), que avança com o desenvolvimento do capitalismo, a ascensão social da burguesia e sua tomada de consciência de classe, com a Revolução Industrial e com o sucesso da ciência experimental. Nesse processo são fundamentais a ideia de progresso (o acúmulo e a disseminação do conhecimento resolvendo paulatinamente os problemas da humanidade). O pensamento de Montesquieu (1689-1755): defendendo a separação dos poderes e o conceito de lei; Voltaire (1634-1778, com a defesa da liberdade de pensamento; Diderot e D’Alambert: a enciclopédia; Rousseau (1712-1778) e a ideia do bom selvagem; Adan Smith (1723-1790) e a economia regida pela lei da oferta e da procura.

Com o florescimento do comércio e o desenvolvimento da burguesia, torna-se viável o surgimento de um novo modelo de homem e de sociedade (no período medieval prevalece o modelo de homem e de sociedade obediente à Igreja e voltado para as especulações do mundo espiritual). Ideias centrais:

. o humanismo: em vez do mundo centrado em Deus (teocêntrico), um mundo centrado no homem (antropocêntrico). o Renascimento (movimento artístico e científico dos sec. XV e XVI): prever para prover. A busca das leis que governam os fenômenos. Leonardo da Vinci (1452-1519): a experiência não engana nunca. Nicolau Copérnico (1473-1543). Michel de Monteigne (1533-1592): só os loucos têm certezas absolutas..

. o racionalismo e a ciência experimental: em vez de um mundo explicado pela fé (verdade revelada), um mundo explicado pela razão. Galileu Galilei (1564-1642): a organização do mundo escrita em linguagem matemática. Francis Bacon (1561-1626): o método experimental e o combate aos idola (preconceitos). Saber é poder.

. individualismo e nacionalismo: em vez da ênfase no ideal de coletivismo fraternal da cristandade, um mundo marcado pela individualidade dos homens e pelas diferenças regionais entre as nações.

 Linhas Filosóficas Modernas:

Racionalismo: tese que a fonte de todo o conhecimento é a razão. Verdadeiro conhecimento não se dá através dos sentidos, mas encontra-se inato na alma (mente). O modelo de ciência é o das ciências exatas (matemática e geometria).

René Descartes (Cartésio 1596-1650): o cogito como princípio básico da filosofia, com sentido lógico e ontológico. O método Cartesiano: 1. Evidência: verdadeiro é aquilo que é claro e distinto ao espírito (resiste à dúvida); 2. Análise: dividir para explicar; 3. Síntese: ordenar do simples para o complexo; 4. Enumeração: verificação completa por segurança.

Seguidores: Melebranche, Spinoza, Libenitz.

Empirismo: tese de que todo o conhecimento procede da experiência e o objetivo da ciência é a descoberta das leis universais sobre os fatos. Preocupação com uma teoria do conhecimento e um modelo de ciência mais adequado às ciências experimentais (botânica, química, mecânica…)

Francis Bacon e o método indutivo: 1. observação rigorosa da natureza; 2. Formulação de explicações gerais provisórias (hipóteses); 3. Comprovação mediante novas experiências.

John Locke (1632-1704): a experiência como fonte das idéias.  A experiência sensorial combinada na mente pela reflexão forma as idéias. Suas idéias constituem a base da fundamentação ideológica da democracia burguesa (liberdade individual, tolerância religiosa, educação, livre iniciativa econômica) 

George Berkeley (1685-1753): ser é perceber e ser percebido. Todo o conhecimento do mundo exterior resume-se ao que captamos através dos sentidos.

David Hume (1711-76): a força do hábito na formação das idéias. Tudo o que percebemos compõe-se de impressões (dados fornecidos pelos sentidos) e idéias (representações mentais derivadas das impresões). Questiona a validade lógica do raciocínio indutivo (ceticismo crítico).

Criticismo kantinano (idealismo): 

Immanuel Kant (1724-1804): preocupação com o problema do conhecimento humano. Síntese original de racionalismo e empirismo. Crítica da Razão Pura: conhecimento empírico (a posteiori) e conhecimento puro (a priori), que conduz a juízos necessários e universais. Juízos Analíticos:  o predicado contido no sujeito. Juízos Sintéticos: acrescenta ao sujeito algo de novo. A ciência surge pelos Juízos Sintéticos A Priori. O conhecimento como resultado de uma síntese entre o sujeito e o objeto, uma organização dos dados da experiência através de categorias da mente.

Hegel, Georg Wilhem Friedrich: idealista alemão, elaborou uma filosofia do espírito segundo a qual o Espírito Absoluto realiza-se gradativamente através da História, assumindo a forma de espíri-to objetivado (arte, ciência, religião e demais criações humanas) e cumprindo um contínuo processo dialético. A realidade univer-sal não passa de manifestação exterior do desenvolvimento da ideia e a história é a criação do espírito.

Exemplo de processo dialético na história: os povos orientais (cultura mística) são a tese; a antiguidade clássica (racional) a antítese; e o pensamento medieval cristão (religioso-intelectual) a síntese que inicia um novo processo, onde a antítese é a modernidade.

Assim, ao imobilismo das filosofias tradicionais, Hegel opõe a visão de uma realidade humana em constante transformação, uma realidade dinâmica, mas não caótica ou arbitrária, posto que está sujeita a uma lei fundamental: a dialética.

Em Hegel a dialética assume um significado mais complexo do que em Platão (processo de aquisição da verdade pela ascese ao mundo das ideias) e em Aristóteles (as formas do raciocínio provável, enquanto que a Lógica ocupa-se da certeza). No hegelianismo a dialética apresenta significado lógico e ontológico (refere-se tanto ao processo de desenvolvimento do raciocínio quanto a uma explicação da realidade).

Em Marx esse conceito será reorientado (a inversão dialética), e aplicado à análise da realidade histórica concreta, assim como em Bachelard (o processo histórico de constituição da ciência). Assim, a herança do idealismo alemão que atinge o seu auge com o pensamento de Hegel, o Idealismo Lógico, que chega a afirmar que “o real é racional e o racional é o real”, provoca mais uma crise no pensamento filosófico, deflagrando a compreensão que o idealismo levara muito longe a ilusão de que a razão é a verdadeira e única realidade. 

Ademais disso, no campo político e econômico, a reação se faz ainda mais forte contra esse pensamento absurdamente abstrato e que afasta a filosofia e a ciência moderna das questões políticas e econômicas, resultando em uma alienação ainda mais cruel.

Dois tipos de reação ao pensamento moderno surgem no alvorecer do pensamento contemporâneo: a esquerda hegeliana, cujo maior expoente é Karl Marx, com o Materialismo Dialético; e a direita hegeliana, cujo maior expoente é Augusto Comte, com o Positivismo. Ambos entendem que a Filosofia as ciências precisam votar-se para as questões sociais, para atuar na transformação da sociedade, sendo que o primeiro afirma que é necessário quebrar a espinha dorsal do processo de alienação que mantem a desigualdade social, acabando com a propriedade privada dos meios de produção; enquanto que o segundo entende que é possível retificar a sociedade desigual pelo desenvolvimento das ciências, das artes e da Filosofia, desde que esta abandonasse a busca de um conhecimento absoluto (Metafísica), e as ciências passassem a buscar descobrir às leis que governam os fenômenos, para enfim explicar gradativamente o mundo de uma forma objetiva.

Se o pensamento moderno é caracterizado pela empolgação com a racionalidade e a razão instrumental, o pensamento contemporâneo é caracterizado com a desilusão com a razão como forma de solução dos problemas sociais. Fala-se muito de precursores da modernidade, e muitos poderiam ser apresentados como importantes na passagem do moderno para o contemporâneo, mas o fato é que três grandes pensadores são fundamentais: Sigmund Freud mostrando o papel do inconsciente e da Libido na compreensão do comportamento humano, enquanto força motivacional inata de natureza sexual, que nos induz à ação; Nietzsche, mostrando a vontade de potência; e Darwin, mostrando que não somos mais do que primatas evoluídos, enfim, não somos o que pensávamos que éramos durante a modernidade.

Por conta disso, uma grande quantidade de linhas do pensamento filosófico surge na contemporaneidade. Uma forma simplificadora de abordar essa abundância de pensadores é estabelecer uma classificação a partir da metodologia, onde podemos distinguir, de pronto, três grandes linhas metodológicas na Filosofia, a saber: a analítica; a fenomenológica-hermenêutica; e a dialética. Alguns pensadores, como, por exemplo, Foucault, resistem a qualquer tipo de classificação. Destes trataremos separadamente ao longo do nosso curso.

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