João Wilson Savino Carvalho
Segundo pesquisa feita por uma famosa plataforma de navegação americana, mais da metade das pessoas que transitam pelas ruas das grandes cidades não sabem o que é metaverso. Em compensação, quase a totalidade das pessoas que sabem realmente o que é metaverso, acreditam firmemente que o metaverso dominará a economia do futuro.
Qual a causa de tamanha contradição? Ora, se se trata de algo que vai interferir de forma tão contundente na vida do cidadão comum em um futuro próximo, inclusive com a maioria dos governos tratando de se preparar para isso, com a mídia batendo no assunto cotidianamente, por que o metaverso continua a ser visto pelas massas como mera curiosidade?
Talvez o ponto principal nesse alheamento em relação a algo tão importante para o nosso futuro seja a dificuldade de compreender a extensão do conceito e todas as suas possibilidades de aplicação. A maioria das pessoas que tomam contato com o termo metaverso, de pronto pensam nos joguinhos de computador, enquanto outras são tomadas de intensa aversão, por relacionar automaticamente com a pornografia virtual que anda detonando relacionamentos afetivos por todo o mundo, com viciados em imagens de pessoas perfeitas deixando de sentir atração por pessoas de verdade.
Aqui um ponto fundamental para qualquer análise, relacionado a uma questão filosófica basal: até que ponto vai o relacionamento entre a pessoa na vida real e seu avatar? Qual o limite do envolvimento? Em quanto tempo os dois passam a ser a mesma coisa?
A literatura e o cinema têm chamado atenção para isso. Lembro especialmente de um romance de ficção cientifica em que numa sociedade caótica onde todos vivem por meio de seus avatares, um vilão descobre um meio de matar as pessoas causando a morte de seus avatares; ou mesmo do icônico filme “Avatar”, onde os sonhos de um cadeirante se tornam realidade por meio de seu avatar.
Uma definição bastante simples de metaverso fala de um ambiente virtual onde as pessoas podem interagir tanto social quanto economicamente por meio de avatares no ciberespaço, o que funciona como um reflexo do mundo real, porem livre de suas limitações.
No aspecto social, é fácil compreender o alcance do metaverso, já que as redes sociais se tornaram parte de nosso cotidiano e os videogames de interação se tornaram parte da vida de nossos filhos, mas agora que o Facebook anunciou que está se tornando uma empresa de metaverso, começamos a ver o aspecto econômico dessa questão. Por enquanto, pais dedicados têm visto de forma interessante que seus filhos brinquem de comprar as coisas para seus avatares, e passem uma pequena parte de suas vidas em um mundo virtual, desde que não deem trabalho. Não ficariam tão tranquilos se soubessem como está subindo rapidamente o movimento da economia no ciberespaço.
Tecnicamente, o termo metaverso não se refere a algo real, mas uma espécie de realidade paralela, ficcional, na qual uma pessoa tem a sensação de estar vivenciando, e que está se tornando cada vez mais indistinta da nossa realidade verdadeira. Ora, se podemos pensar em uma gradação de metaverso ligada ao avanço da tecnologia, é licito pensar que um dia essas duas realidades se tornarão indistintas. E pelo avanço da internet no mundo, é de se pensar que este dia está cada vez mais próximo.
E por que o metaverso pode causar um certo medo? Pelo seu imenso potencial econômico, podemos imagina-lo como um processo irreversível. Isso, aliado ao avanço das novas pandemias, da superpopulação e da destruição do meio ambiente, farão do metaverso um aliado perfeito para as elites que mantém o poder no mundo.
Sob essa perspectiva, podemos imaginar as incontáveis e imprevisíveis consequências desse avanço, desde as tiranias políticas e religiosas cibernéticas contra as quais o cidadão não teria a menor chance de defesa, pelo uso massivo da psicologia social aplicada, até a perda do sentido da vida, essa a consequência mais triste de todas.
Mas não cabe mais simplesmente rejeitar as possibilidades do metaverso no mundo contemporâneo. Isso seria até impraticável (penso eu). Cabe entendê-lo e enfrentá-lo sem medo, principalmente pelas suas aplicações na educação.
Quando vejo a reação de alguns professores em relação às possibilidades do metaverso em educação, fico lembrando do que diziam os pedagogos dos anos setenta sobre a diferença entre um professor e um educador, e, principalmente, do exemplo que costumavam dar, o do professor de Geografia que, ao ser avisado de que haveria um eclipse pela parte da tarde na região onde se situava a escola apenas respondeu: Poxa! Vai atrapalhar minha aula sobre o movimento dos astros…
Alguns sequer percebem as utilidades mais simples do metaverso na educação formal, as que vão desde a visita virtual a museus, vulcões, mundos fantásticos e tudo o mais que se possa imaginar até defesas de dissertações e teses, e talvez por isso, em termos das possibilidades de aplicação à educação, podemos dizer que o metaverso ainda está meio vazio, e o que mais encontramos são alunos brincando com seus games, o que não deixa de ser uma forma de interação, embora mínima em termos das possibilidades da ferramenta, mormente se pensamos no que representa isso como superação das limitações do espaço físico e de transformação da nossa capacidade de percepção.
Falamos hoje de uma tecnologia que permite conexões que vão aumentando exponencialmente, de descentralização digital, de internet das coisas, da essencialidade do 5G para viabilizar o metaverso, já que era isso que faltava para que as coisas aconteçam em tempo real, sem delay, mas ainda não conseguimos aceitar o metaverso de forma natural, principalmente os educadores, que perigam tornar-se obsoletos nesse novo mundo, por sua falta de iniciativa e pela incapacidade de perceber todo o conjunto de inovações tecnológicas que converge para o metaverso.
Falamos do metaverso, mas, na verdade, são inúmeros os metaversos, e a escola precisa estar presente em todos eles. No presente momento ainda precisamos de alguns acessórios para imergir no metaverso, mas é de se prever que logo teremos navegadores capazes de permitir a não só a navegação em vários metaversos, mas de transitar, sentir em interagir em todos eles.
O fato é que estamos diante de um grande salto. É de se prever que a tecnologia, por conta da internet, do ciberespaço e do metaverso, dê um salto de 300 anos nos próximos vinte, e isso inclui a necessidade de aquisição da cidadania digital, principalmente pelos educadores, que apresentam papeis fundamentais nesse sentido.
As possibilidades do uso de softwares são e sempre serão para o bem e para o mal, e os educadores devem estar preparados inclusive para proteger seus alunos das armadilhas financeiras (e até políticas) que esse novo mundo trará, já que é um mercado que tem potencial para atingir bilhões de pessoas. Há uma crescente tendência de generalização da capacidade de programação e os educadores não devem se esquivar dessa capacitação, e principalmente, compreender que nesse novo mundo o aluno será cada vez mais protagonista, e o professor cada vez mais um gestor do conhecimento.
Enfim, tanta coisa para se aprender ensinando…