Malrício França
O RELÓGIO NA PAREDE.
Malrício França
Estive refletindo sobre o tempo nos últimos dias, e conforme me aprofundo nesse estudo vou descobrindo que o ato de perdê-lo na história da humanidade não foi feito exclusivamente pela minha geração, que teve início há apenas duas décadas, mas agora se depara com dedos apontados pelos mais maduros, que acusam e dão puxões de orelha em repúdio a essa perda desmedida de tempo. Tal descoberta só me fez pensar: “que sorte a dos mais maduros”, pois se tivessem aparelhos celulares em suas juventudes, informando-os exageradamente e registrando tudo aquilo que faziam e falavam, eles também teriam, assim como nós, sentido a orelha doer.
Quem me dera o alívio de ter tirado de minhas costas o peso de fazer parte da até então única geração que desperdiçou e ainda desperdiça tempo. Mas, tivesse isso durado mais um pouco, teria compreendido que podemos não ser a única que desperdiçou, mas a que mais fez isso.
E esse fardo, infelizmente, temos que carregar, já que nunca em toda a história da humanidade o homem desperdiçou tanto tempo, e nunca também o homem achou que ainda tivesse tanto tempo, homem esse que, por estar sempre atento ao lançamento de novas músicas e danças em aplicativos de celular, acaba deixando de ouvir o som do ponteiro do relógio na parede que, com seu incessante tique-taque, lembra que o tempo passa inexoravelmente.
Sêneca, um dos grandes filósofos estoicos da antiguidade, em sua carta intitulada “sobre aproveitar o tempo”, direcionada ao seu amigo Lucílio, mas que muito pode contribuir para essa nossa reflexão, diz que o tempo que temos jamais deve ser desperdiçado não fazendo nada ou fazendo coisas nocivas para o nosso caráter. É o que acontece atualmente, quando expomos quase que vinte e quatro horas por dia nas redes sociais em tempo real o que fazemos, falamos ou comemos.
Ele nos aconselha a aproveitarmos o tempo buscando sempre obter novos conhecimentos, procurando formas de exercitar nosso intelecto com estudos que serão proveitosos para nossa formação enquanto seres humanos, e nessa mesma carta, ele nos apresenta o que vem a ser o antídoto para essa doença, cujo sintoma é o mau aproveitamento do tempo e que já em sua época adoecia muitas pessoas.
Para Sêneca o homem só passa a aproveitar melhor o seu tempo a partir do momento em que se dá conta de que é um ser mortal. Mas, como podemos observar na nossa sociedade, principalmente com o surgimento da internet e das redes sociais, essa é uma tarefa desafiadora, já que vivemos em um contexto histórico no qual as pessoas só costumam criar consciência de suas mortalidades quando alguma pessoa famosa vem a falecer. Só quando vemos a morte chegar de repente para uma pessoa a qual achávamos que ainda viveria por muitos anos pelo simples fato de ser jovem, é que passamos a refletir sobre a brevidade da vida, sobre como muitos não chegarão, por diversos motivos, a viver a velhice.
E falando em velhice, despeço-me deixando aqui algumas provocações: diga você se o destino, ou melhor, se o tempo lhe deixar chegar até ela, qual das duas sensações pretende ter ao olhar no espelho e se deparar com as rugas e com os fios de cabelos brancos? Pretende ser alguém que terá orgulho de ter adquirido durante todos esses anos conhecimento e que se tornou amigo da sabedoria, ou alguém que apenas esperou a idade avançar e que por isso irá pagar o preço de nada levar consigo para a sepultura a não ser a memória de uma vida ignorante?
O tique-taque nunca foi tão nítido para mim como é agora. O tempo está realmente passando e a sensação que resolvi escolher foi à primeira, pois sei que se resolvo viver como na segunda, enxergar-me-ia no fim da vida como um completo errante.