Discurso proferido em sessão da Academia Amapaense de Letras, em comemoração aos  33 anos da UNIFAP, pelo membro João Wilson Savino Carvalho, em 02 de março de 2023.

Agradeço o convite da presidência e, de início, vou logo adiantar que para mim é muito fácil falar sobre a UNIFAP porque a minha trajetória profissional está imbricada com a história da UNIFAP, desde que começou a luta pela sua criação, porque eu fiz uma opção consciente pela vida acadêmica na UNIFAP, quando larguei um bom cargo numa instituição federal para me deslocar ao Rio e fazer mestrado. Terminei em um ano e meio e voltei para Macapá quando a UNIFAP estava sendo implantada, e ainda a tempo de participar do primeiro processo seletivo da Instituição, onde estou até agora, embora tenha tempo de sobra para me aposentar.

Gostaria de pautar essa fala sobre a UNIFAP pelos seus 33 anos de existência em dois pontos que considero fundamentais: o primeiro é que se existe uma palavra para caracterizar a trajetória da UNIFAP no Amapá essa palavra é “luta”, porque toda a existência da UNIFAP, de sua criação, implantação até a estruturação, vem sendo uma luta constante; o segundo ponto é a minha opção pela UNIFAP e minha história na Instituição, porque é a opção de todos nós, não só dos dez unifapeanos que fazem parte desta Academia, mas de todos que deram sua parcela de colaboração para a UNIFAP se tornasse no que é hoje, que torceram por ela e que acreditaram nela.

Ressalto esses dois pontos porque estou cansado de ver alguns “professores de Deus”, que sabem tudo de universidade, mas chegaram agora, quando tudo já está encaminhado, e não sabem a luta que foi travada pelos administradores, servidores e alunos, e até políticos do Amapá, para que a UNIFAP viesse a existir como uma “universidade de verdade”. Hoje vejo um movimento no sentido de apagar a história da Instituição, de desprezo pela forma como tudo aconteceu, inclusive negando que a nossa Universidade foi resultado de um projeto de um amapaense, o deputado Giovanne Borges, que expressou um antigo anseio da juventude amapaense. Eu não sou eleitor dele, mas entendo que a verdade deve ser mantida e o mérito reconhecido.

De fato, a UNIFAP começou sem condições mínimas, mas uma fala do presidente Sarney, feita em particular, explica tudo. Quando inquirido porque havia criado a Universidade mesmo sabendo que as condições não eram adequadas, ele disse: “era preciso, e eu optei por criar a universidade e deixar para os seguintes a tarefa de dar as condições necessárias. Era isso ou o Amapá tão cedo não teria uma universidade”. Aliás, por falar em políticos, acho que única vez que a bancada do Amapá se uniu plenamente foi em prol da criação do Hospital Universitário.

Muitos aqui devem lembrar que a UNIFAP foi criada simplesmente aproveitando a estrutura do antigo Núcleo de Educação da UFPA em Macapá, com os mesmos cursos de licenciatura acrescidos de Secretariado e Direito, e por isso permaneceu, por um longo tempo, de certa forma como filha da UFPA. A UNIFAP não tinha corpo docente e começou com professores cedidos e prestadores de serviços. A primeira reitora foi a Diretora do NEM da UFPA, a professor Maria Alves de Sá, uma pessoa discreta, sem envolvimento na política partidária, que optou por um trabalho exclusivamente técnico, e se dedicou à estruturação da Instituição, mas acabou atropelada pela indicação feita por um senador, ao argumento de que o cargo era de seu partido e que a reitora deveria ter mestrado.

A professora Laises Braga era escritora, tinha mestrado, devia ter algum trânsito político, já que foi indicada, mas não tinha nenhuma habilidade para lidar com a comunidade, principalmente com o nascente movimento estudantil, encabeçado pelos alunos de História e Geografia, Randolfe, Edvan, Algusto, Bacellar e vários outros, e que eram apoiados por professores que já almejavam a eleição de um reitor e o fim da protemporalidade. A reitora tentou enfrentar o movimento com uma postura desnecessariamente autoritária e acabou isolada quando os líderes do Movimento convenceram os alunos e professores a não participar do Conselho Superior de Implantação. Sem condições de administrar, a professora Laíses foi substituída por outro pró-tempore, um professor da UFPA. O professor mestre Antônio Gomes fazia parte de um de cientistas da UFPA que valorizavam o trânsito político, e teria sido nomeado com a missão de pacificar a comunidade acadêmica.

Meu primeiro contato com o reitor foi na área da cantina, onde ele conversava com o professor Antonino, um dos históricos do PT em Macapá, que me chamou, me apresentou ao novo reitor e rapidamente se retirou. Ao longo da conversa, o reitor me perguntou o que eu achava da situação de conflito na UNIFAP e o que eu faria no lugar dele. Eu respondi o que achava muito lógico, que eu nomearia vice-reitor o professor Walter Araújo, que tinha sido eleito reitor pela comunidade em um processo eleitoral ignorado pelo MEC. Ele, claro, ficou maravilhado com a sugestão. Chamou o professor Walter, que preferiu ser Pró-Reitor de Ensino e sugeriu o meu nome para vice, pelo fato de ter mestrado, o que era uma coisa muito rara na UNIFAP daquela época. Acabamos montando uma equipe multipartidária, com a nomeação do professor mestre Paulo Bezerra, outro histórico do PT. Na nossa primeira reunião o professor Antônio mostrou sua habilidade quando declarou que, pertencendo a partidos diferentes, a nossa melhor possibilidade de formar uma equipe coesa era focar em um trabalho técnico.

O professor Antônio se dedicou a construir uma estrutura física mínima para a Universidade, na organização do quadro docente e na legalização dos cursos de graduação. Era o período FHC e tudo era difícil, mas ele conseguiu construir os prédios essenciais, e com isso acabou se dando razoavelmente bem no relacionamento com o Movimento Estudantil, mas o tempo foi passando e a eleição para reitor da UNIFAP não saiu. Para completar, o professor começou uma militância partidária de oposição, e por isso foi exonerado, começando um período extremamente confuso, quando foi nomeado o professor doutor João Renôr, que estudou na Sorbonne e tinha larga experiência como pesquisador. Esse novo reitor pró-tempore teria sido nomeado por ser primo ou irmão de um deputado do PMDB, e já tinha sido hostilizado pelo Movimento Estudantil.

Lembro que, quando o professor Antônio estava providenciando a redistribuição desse professor para a UNIFAP, e o Movimento foi contra, procurei o então aluno Randolfe, cobrando a postura, que para mim parecia absurda, ele me respondeu: “Se esse professor viesse para a sala de aula, nós estaríamos batendo palmas, mas ele vem para ser reitor, e nós queremos eleição”. E ainda completou: “É, Wilson, tu não entendes mesmo de política…”. Eu, claro, tive que concordar.

Foi realmente um período difícil para mim e para a UNIFAP, porque o novo reitor pró-tempore não assumiu enquanto não conseguiu costurar um acordo com o Movimento, e eu fiquei meses como vice-reitor no exercício da reitoria, até que, finalmente, o professor João Renôr tomou posse e começou a organizar a sua equipe de trabalho. Pela primeira vez a UNIFAP tinha um professor doutor na reitoria, mas a gestão do professor Renôr não foi muito feliz, e ele acabou sendo substituído pelo professor mestre Paulo Guerra, nosso confrade, que usou seu prestígio político para aumentar a estrutura física da UNIFAP, criar novos cursos e completar o quadro docente. O professor Paulo Guerra cumpriu a promessa de todos os anteriores e finalmente foi realizada a eleição para reitor, resultando na sua sucessão pelo professor João Brazão, que fez uma administração tranquila, enquanto os docentes que lideravam o Movimento cuidavam de fazer mestrado e doutorado, alguns inclusive fora do Brasil.

O professor Brazão foi sucedido pelo professor doutor José Carlos Tavares, amapaense, que eu reputo um dos maiores cientistas do Amapá, tal como nossos confrades Jadson e Tostes, e teve uma administração cheia de realizações, sendo reeleito e reconhecido como um dos administradores mais bem-sucedidos da UNIFAP. A sucessora foi a professora doutora Eliane Superti, também uma grande cientista da sociologia, aliás, da ciência política, que seguiu na mesma linha de grandes realizações do Prof. Tavares, no que se inclui o Hospital Universitário, que se mostrou essencial no período da pandemia.

Os problemas de saúde da Profa. Superti determinaram que ela não concorresse à reeleição, e foi eleito o professor doutor Júlio Sá, que depois foi reeleito e é o atual reitor. O Prof. Júlio é também um cientista da biologia, e é reconhecido como a maior autoridade em contaminação de mercúrio na região de Tartarugalzinho.

Hoje a UNIFAP tem um quadro docente com professores doutores derramando pelo ladrão, campus e núcleos pelo interior do estado, restaurante, hospital, uma estrutura cada vez mais adequada ao seu papel social no Amapá, e eu lembro quando eu dava aulas no bloco “C”, e via a nuvem de poeira vermelha que o ônibus levantava e pensava: “Caramba! Quando isso aqui vai virar uma universidade de verdade?”

Não resta dúvidas que a UNIFAP hoje é uma universidade de verdade e isso me enche de orgulho, e por isso encerro pedindo uma moção de aplausos para a UNIFAP e para todos os abnegados que a ela dedicaram suas vidas, os que já foram, os que ainda estão na luta, e os que ainda virão. É a nossa universidade, é o resultado de nossa luta.

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